A história da OS que recebeu dinheiro público por quimioterapia em pacientes mortos

A história da OS que recebeu dinheiro público por quimioterapia em pacientes mortos

O céu é o limite na quantidade e na natureza de irregularidades que rondam as chamadas Organizações Sociais metidas em gestões de unidades públicas de saúde.

Em 2012 ganhou notoriedade no Nordeste do País o caso do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), OS que gerenciava diversos hospitais e UPAs em Recife, Pernambuco. Começando pelo fato de que o Secretário Estadual de Saúde na época – Antônio Figueira – ser o representante maior da instituição. É como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Mas não foi só isso o que aconteceu na época.

Outro fato grave foi uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União, que teve como objetivo verificar pagamentos irregulares feitos a entidades que recebem recursos do SUS. A auditoria se concentrou nas chamadas Apac (Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade / Custo). São procedimentos mais caros para os cofres públicos, onde o agente (no caso o Imip) recebe pelo tratamento.

A auditoria do TCU cruzou os dados dos pacientes com o Sistema de Controle de Óbitos – Sisobi, descobriu algo que deixou a população de queixo caído: 100 pacientes começaram e terminaram tratamentos depois de mortos. A maioria dizia respeito a tratamentos de oncologia com quimioterapia pagos mas nunca realizados, já que os pacientes simplesmente já estavam falecidos.

O Imip fez uma defesa sem pé nem cabeça do caso, dizendo que teria enviado medicamentos para pacientes no interior do estado. O TCU, no entanto, não desqualificou os argumentos, ao descobrir que os casos teriam acontecido entre 01/01/2008 e 30/04/2010, justamente o período em que o secretário de Saúde era o gestor do Imip.

Em novembro de 2013, acatando uma Ação Popular, o juiz titular da 1ª Vara Federal, Roberto Wanderley Nogueira, determinou o afastamento imediato do secretário estadual de Saúde, Antônio Figueira.

antoniofigueira

Confira o conteúdo do relatório do TCU:

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) de Recife/PE

  1. Para o Imip, os dados fornecidos pelo SGI/Adplan apontaram um total de 100 Apac, nas quais as datas de início e fim são posteriores ao registro do óbito no Sisobi.
  2. Mais de 80% dos procedimentos realizados dentro do universo pesquisado são de tratamentos oncológicos, na sua maioria de quimioterapia (69,35%, considerando-se os casos em que se combinaram quimioterapia com radioterapia ou hormonioterapia). Os casos de hormonioterapia somam 20,97 % (considerando-se também as situações de combinação desse com tratamento de quimioterapia). As demais ocorrências foram: 6 (9,68%) de casos em de entrega de aparelhos de audição; 3 (4,84%) casos de procedimentos relacionados à audição e, por fim, 1 (1,61%) caso de acompanhamento de paciente após realização de transplante.
  3. O Imip apresentou justificativas semelhantes às relatadas pelo Crio: entrega antecipada de medicamentos para pacientes que moram no interior do estado que tem dificuldade de acesso e dificuldade que o hospital tem para tomar conhecimento da morte dos pacientes em tratamento de oncologia.
  4. Conforme análise acima para o Hospital Crio, as justificativas apresentadas pelo Imip não são suficientes para fundamentar a ocorrência de cobranças de Apac após o óbito do paciente.
  5. Em que pesem as dificuldades operacionais mencionadas pelo Imip quanto à entrega de medicamentos aos pacientes e ao controle do acompanhamento dos tratamentos oncológicos realizados, cabe ao próprio hospital buscar as melhorias operacionais e administrativas necessárias à resolução dos problemas, apontados como justificativas para a emissão irregular de Apac. Os problemas apontados não podem justificar condutas indevidas que venham a comprometer a fidedignidade do sistema de faturamento de Apac.
  6. O outro ponto a ser mencionado diz respeito aos registros da execução das Apac, realizados nos prontuários médicos analisados no Imip. Pelas informações verificadas, não se pode concluir pela devida realização dos procedimentos a que se referem as Apac abertas após o registro do óbito do paciente. A maioria dos prontuários apresentavam registros precários das atividades relativas ao tratamento realizado pelo hospital, não tendo sido possível identificar um controle sistemático dos serviços prestados aos pacientes. Assim, apesar de o prontuário médico ser o documento apropriado para o atesto da prestação dos serviços prestados pelo hospital, não havia clareza do controle completo do recebimento de medicamentos pelos pacientes ou dos registros hospitalares dos procedimentos realizados.

3.2.2. Objetos nos quais o achado foi constatado

  1. A listagem dos casos encontrados de cobrança indevida de Apac por município e estabelecimento de saúde auditado se encontra o anexo 4 desta instrução.

3.2.3. Critério de Auditoria

Manual Técnico Operacional SIA/SUS – Sistema de Informações Ambulatoriais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010b, p. 14 – 15, 42).

Manual de Bases Técnicas da Oncologia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010c, p. 16 – 17, 25 – 26, 28, 54 – 55, 59).

Orientações Técnicas sobre Auditoria na Assistência Ambulatorial e Hospitalar no SUS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 95 – 97).

PT MS/SAS n.º 134, de 22/8/94, art. 5º.

Manual de Glosas do Sistema Nacional de Auditoria (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004, p. 17 – 28).

Código Penal, art. 172.

3.2.4. Evidências

  1. As cópias dos dados dos pacientes do Centro Regional Integrado de Oncologia (Fortaleza – CE) encontram-se no anexo 1, volume 3, fls. 315 a 369 e os papéis de trabalho referentes a esses casos se encontram no anexo 1, volume 4, fls. 370 a 427.

 

  1. Os papéis de trabalho referentes aos casos encontrados no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Recife – PE) encontram-se no anexo 4, volume principal e volume 1, fls. 01 a 377.

3.2.5. Causas

  1. As causas identificadas com relação a esse achado dizem respeito às falhas do hospital nos controles nos tratamentos de oncologia, na medida em que solicita a abertura ou continuação da Apac de paciente que não está comparecendo ao estabelecimento de saúde.
  2. Identificou-se também como causa a atuação insuficiente da auditoria local (Secretaria de Saúde responsável), uma vez que essa autoriza a abertura ou continuação de Apac sem as devidas verificações necessárias.

3.2.6. Conclusão

  1. Foram confirmadas aberturas de Apac após o óbito do paciente, para as quais não houve comprovação de serviço prestado por parte do estabelecimento de saúde. As justificativas apresentadas pelos hospitais não foram suficientes para elidir as cobranças indevidas constatadas na auditoria. As irregularidades devem-se principalmente a falhas operacionais dos prestadores e à fragilidade da supervisão pela Secretaria de Saúde.

3.2.7. Propostas de Encaminhamento

  1. A partir das conclusões do achado, será proposta determinação para que a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco e a Secretaria Municipal de Fortaleza – CE procedam à apuração em todas as Apac abertas após o registro do óbito do paciente, nos hospitais Imip e Crio, respectivamente, e providencie, se for o caso, o respectivo ressarcimento ou glosa dos recursos pagos indevidamente.
  2. Com relação aos demais casos identificados na base de dados, para uma adequada relação de custo benefício do controle, considerou-se viável a realização de uma seleção de sete municípios para os quais será determinada a apuração das Apac questionadas e uma seleção de 24 municípios para os quais será proposta recomendação de apuração das Apac questionadas, conforme explanação abaixo.
  3. Contabilizaram-se 185 municípios nos quais houve registro de abertura de Apac após o óbito do paciente. Desse total, foram desconsideradas as Apac em que o procedimento questionado estava relacionado à doação de órgãos, ou seja, para as quais poderia haver justificava para procedimento após falecimento do paciente. Restaram então 182 municípios, que compõem o universo de possíveis irregularidades, o que totaliza um valor de R$ 3.823.549,62.

Sem Comentários

  1. Rui Reche Barbosa em 30/01/2015 às 07:32

    Palavras convencem, exemplos arrastam. Esse tipo de comportamento virou praga nesse país, pois o pior exemplo vem de Brasília.

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