Em entrevista ao site Ataque aos Cofres Públicos reproduzida no Diário do Litoral do último dia 15 de fevereiro, o promotor do Ministério Público do Trabalho explica porque entende que as Organizações Sociais gerindo unidades de saúde, como visa o atual governo, contrariam a Constituição e outras leis.
Confira a íntegra da entrevista:
MP vai agir contra OSs na saúde de Santos
Se depender do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Santos, a instalação das chamadas Organizações Sociais (OSs) ou Oscips nos serviços públicos do município não vingará.
Preocupado com a implantação deste tipo de terceirização em vias de ser implantada na Cidade, após a aprovação das leis 2.947/2013 e 2.965/2014, de autoria do Executivo, o promotor Rodrigo Lestrade enviou uma notificação recomendatória à administração municipal.
O recado é claro: se insistir em contratar uma OS ou Oscip para substituir a execução de serviços ligados às atividades-fim de áreas como saúde, educação ou assistência social, a Prefeitura será alvo de uma ação civil pública. “Terceirizar atividades que o Município já tem em seu quadro de cargos é absolutamente inconstitucional e, por consequência, ilegal. Cargos nessa situação: auxiliar de enfermagem, auxiliar de farmácia, médico, cirurgião dentista, enfermeiro e outros profissionais que atuam diretamente na saúde e demais secretarias”.
Além da Constituição Federal, o promotor se baseia no Decreto Federal 2.271/1997. “O decreto descreve que podem ser alvos de execução indireta no município atividades acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem a área de competência legal do órgão. O serviço de saúde não é acessório, não é instrumental e nem complementar”.
Ainda segundo o promotor, o decreto diz que não podem ser executados por terceiros os serviços em categorias funcionais já abrangidas pelo plano de cargos do órgão em questão. “Imagine uma OS assumir uma escola e contratar os professores que ela quer?”, pergunta o promotor, ressaltando que tal situação abre espaço para apadrinhados políticos atuarem lado a lado com pessoas que passaram pelo crivo do concurso público.
Lestrade condena a terceirização indiscriminada em diversos municípios sob a desculpa de que a gestão por meio de OSs elimina processos burocráticos e aumenta a eficiência dos mesmos. “Isso é uma muleta. Se colocar isso como desculpa abre-se a porta para terceirizar tudo. Nós do MP também somos obrigados a fazer licitações e seguir normas. Se o problema de gestão for esse, então vamos começar a terceirizar procurador? Basta contratar advogados através de Oscips e eles passariam a fazer ações civis públicas. O mesmo aconteceria no Poder Judiciário. Para desafogar o sistema, contrata-se advogados para julgar as ações que os juízes não dão conta”, ironiza.
Outro argumento não aceito é de que as OSs e Oscips resolveriam o problema das contratações engessadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A referida lei exige que o poder público não gaste mais do que 51,3% de seu orçamento com a folha de pagamento. “Se isto acontecer em Santos, o município fingirá que cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal descumprindo a Constituição Federal”, finaliza.
Como as OSs contrariam as leis
As chamadas “Organizações Sociais” escondem diversas formas de burlar leis que existem para resguardar a moralidade no trato dos recursos públicos.
Sobre este assunto tramita no Judiciário, há 17 anos, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). É a Adin 1.923/98, contra a Lei 9.637/98 ( Lei das OSs) e também contra a alteração do inciso XXIV do artigo 24 da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), cuja redação dada pelo artigo 1º da lei 9.648/98, permitiu a dispensa de licitação para a celebração de contratos com as OSs.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal está “sentado” sobre a Adin, os gestores e empresários ligados às OSs aproveitam a encomendada paralisia do Judiciário para expandir a doença das OSs, deixando o SUS e demais órgãos públicos na UTI. Diversas investigações realizadas por órgãos como Ministério Público, Tribunais de Conta e até Polícia Federal, mostram que as OSs sofisticaram golpe perfeito: os empresários donos das entidades pagam as campanhas dos políticos e os políticos retribuem “vendendo” as instituições públicas para as empresas fantasiadas de entidades.
Já no âmbito constitucional e trabalhista, a Lei das OSs contraria principalmente o artigo 37 da Capítuto VII, que diz: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”.