“Ministros do STF ignoraram problemas das OS; eles foram mal assessorados ou sofreram pressão”. A frase é de Tarso Cabral Violin, advogado, professor e estudioso do Direito Administrativo. Assim ele analisa as possibilidades que podem explicar o porquê da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.923, no STF, foi rejeitada pelos ministros do Supremo. A ADI questiona a constitucionalidade da Lei 9.637/98, que cria o modelo de parceria do estado com as Organizações Sociais (OS).
Violin dá seus argumentos à repórter do site Viomundo, Conceição Lemes, para reprovar a atitude da maioria dos ministros. Ele explica porque as OSs são tão nocivas à sociedade e ao serviço e cofres públicos. Confira a matéria e entrevista na íntegra:
A saúde pública no Brasil está sendo privatizada rapidamente, a passos largos. O símbolo mais visível desse processo são as OSs: Organizações Sociais de Saúde.
Teoricamente as OSs são entidades filantrópicas. Na prática, porém, funcionam como empresas privadas, pois o contrato é por prestação de serviços.
Significa que o serviço de saúde é administrado por uma dessas instituições e não diretamente pelo Estado.
“As OSs recebem os hospitais absolutamente aparelhados, de mão beijada. Tudo o que gastam é pago pelo governo do estado ou prefeitura. Além disso, recebem taxa de administração”, alertou o promotor Arthur Pinto Filho, da área de Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo, em reportagem publicada em 2011 pelo Viomundo. “Entregar a saúde pública para as OSs evidentemente encarece a saúde e tem prazo de validade.”
O modelo de parcerias com Organizações Sociais (OS) foi instituído, em 1998, pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) mediante medida provisória, transformada em seguida na Lei 9.637/98. Visava saúde, ensino, cultura, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente.
Naquele mesmo ano, PT e PDT entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF contra a 9.637/98, questionando a sua inconstitucionalidade.
A ADI recebeu o número 1.923/DF. Nela, os dois partidos solicitavam a suspensão cautelar de artigos da lei até que fosse julgado o seu mérito. Ou seja, pediram que artigos da lei fossem suspensos imediatamente, sem esperar a decisão final.
Em 2007, o STF examinou o pedido cautelar e o rejeitou. Segundo informativo do Supremo, “entendeu-se inexistir, à primeira vista, incompatibilidade da norma impugnada com a Constituição Federal”. Os ministros Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski foram voto vencido.
Em 2011, os ministros Ayres Brito — na época, relator, atualmente aposentado – e Luiz Fux proferiram os seus votos quanto ao mérito da ação.
Em 16 de abril deste ano, a ADI 1923/DF voltou a ser apreciada no plenário do STF, que decidiu pela validade da prestação de serviços públicos por organizações sociais em parceria com o poder público.
Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Teori Zawaski, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram pela privatização.
Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e o já aposentado Carlos Ayres Britto votaram contra a privatização dos serviços sociais via OS. Portanto, foram votos vencidos.
O ministro Luís Roberto Barroso não votou porque entrou no lugar de Ayres Britto, que já havia votado como relator.
“O ministro que votou a favor da lei adota uma ideologia neoliberal-gerencial”, diz Tarso Cabral Violin, advogado, professor e estudioso do Direito Administrativo. “Ou seja, ele aceita que hospitais, museus, escolas e universidades públicas não precisam mais fazer concurso público e licitações e podem transferir suas atividades para uma ONG, escolhida de acordo com a vontade do chefe da instituição.”
Os ministros que votaram a favor aparentemente ignoraram problemas apresentados por esse modelo no Estado de São Paulo. Aqui, foi onde tudo começou pela área de saúde. Em 2010, os hospitais públicos geridos por OSs tinham um rombo acumulado de R$ 147 milhões.
Violin acrescenta: “O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já emitiu parecer, onde demonstra que os hospitais públicos privatizados via OSs ficaram mais caros, menos eficientes, com dirigentes que ganham mais e trabalhadores que ganham menos do que nos hospitais públicos”.
Por que então os ministros ignoraram esses pontos negativos?
“Eles foram mal assessorados ou sofreram pressão natural de grupos de interesse na área hospitalar, de governos estaduais e municipais que adotam esse modelo”, atenta Violin.
Tarso Cabral Violin é de Curitiba. Foi demitido da Universidade Positivo, onde foi professor de Direito Administrativo durante mais de 10 anos, por pressão do governo Beto Richa (PSDB).
Ele é um crítico do neoliberalismo-gerencial e das privatizações. Há 20 anos estuda as novas figuras que sugiram na década de 1990, como as OS, contratos de gestão, agências reguladoras, entre outras.
Por isso resolvemos ouvi-lo. Segue a íntegra da nossa entrevista com ele.
Há 20 dias o STF retomou o julgamento da ADI contra as OS. O STF decidiu a favor da lei. É impressão minha ou a mídia praticamente ignorou a votação dessa ADI?
Tarso Violin – Não é impressão sua, aconteceu isso mesmo. Foi uma das decisões mais importantes do STF dos últimos tempos, e a velha mídia ignorou. Apenas alguns sites e blogs divulgaram, e ainda com informações incorretas.
Por quê?
Porque todos – sejam os favoráveis, sejam os contrários à lei — foram pegos de surpresa. Os sindicatos contrários não se mobilizaram em tempo para pressionar o STF. E as tevês e rádios não estão interessadas no assunto. Além disso, como o tema não é prejudicial ao governo federal, não houve interesse em divulgação.
Na sua opinião, o que significa o ministro ter votado pela procedência da lei do governo FHC?
Esse ministro adota uma ideologia neoliberal-gerencial. Ou seja, aceita que hospitais, museus, escolas e universidades públicas não precisam mais fazer concurso público e licitações e podem transferir suas atividades para uma ONG, escolhida de acordo com a vontade do chefe da instituição.
Alguns sites divulgaram que agora as OS precisariam fazer licitação para contratar serviços.
Não é verdade. As OS não precisam fazer licitação. Apenas procedimentos simplificados que respeitem os princípios constitucionais.
Os ministros que votaram a favor fizeram algumas restrições. Isso muda alguma coisa?
A única restrição é que, para escolher as OS, as instituições públicas precisam fazer procedimentos simplificados que respeitem os princípios constitucionais, e serão controladas pelos órgãos de controle. Mas é muito pouco. Pode ser o fim do concurso público e das licitações nas autarquias e fundações estatais que prestam serviços públicos sociais.
Por quê?
Porque em vez de fazerem concurso público para contratação de pessoal e licitação para contratar bens e serviços, as autarquias e fundações estatais podem simplesmente repassar a gestão para as OS, que não farão concurso ou licitação.
Os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio e Carlos Ayres Brito, já aposentado e em voto mais antigo, votaram contra. O que destacaria no voto deles?
Eles perceberam que as OS são uma burla ao concurso público e às licitações, e que é privatização inconstitucional. As OS são constitucionais apenas quando são fomentadas pelo Estado e não quando são utilizadas para substituir órgãos e entidades estatais.
Os ministros que votaram a favor aparentemente ignoraram problemas apresentados por esse modelo no Estado de São Paulo, onde, em 2010, os hospitais públicos geridos por OSs tinham um rombo acumulado de R$ 147 milhões.
Sem dúvida, ignoraram. O Tribunal de Contas do Estado São Paulo também já emitiu parecer que os hospitais públicos privatizados via OS ficaram mais caros, menos eficientes, com dirigentes que ganham mais e trabalhadores que ganham menos do que nos hospitais públicos.
Por que então os ministros (não analisaram) esses aspectos negativos?
Porque foram mal assessorados ou sofreram pressão natural de grupos de interesse na área hospitalar, de governos estaduais e municipais que adotam esse modelo, entre outros.
Na prática, o que significa a aprovação da lei na área da saúde?
Não há mais necessidade de realizar concurso público para a contratação de médicos, enfermeiros e demais servidores. Basta entregar um hospital ou unidade de saúde pública para uma OSs, sem licitação, privatizando-a. Todos os trabalhadores serão celetistas ou contratados via Pessoa Jurídica (PJ), o que é uma burla ao concurso público. Servidores sem estabilidade, que poderão ser demitidos sem justa causa. É a precarização do serviço público.
Há alguma forma de essa decisão do STF ser reformada?
Sim, o PT e o PDT podem entrar com recursos, mas é difícil uma reforma da decisão. Só que não sei se esses partidos têm hoje a intenção de lutar contra a lei. Afinal, hoje em dia o PDT é a favor das terceirizações e no PT há grande debate interno sobre o tema, com correntes favoráveis e correntes contrárias às OS.
Ou seja, liberou geral paras as OS.
Liberou geral a prestação dos serviços sociais pelas OS. Significa terceirização, quarteirização dos serviços públicos. Em português claro: privatização dos serviços sociais.