Murilo Barletta, sobre as OSs em Santos: “Acredito que a Prefeitura vai tomar todas as medidas para fiscalizar”

Murilo Barletta, sobre as OSs em Santos: “Acredito que a Prefeitura vai tomar todas as medidas para fiscalizar”

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Na primeira leva de entrevistas com os vereado­­res sobre os desafios na fiscalização das Organizações Sociais (OSs) em Santos não tivemos espaço na agenda do vereador Murilo Barletta (PR). Dias após o encerramento da série, ele nos procurou para dar seus argumentos. Barletta foi um dos parlamentares que aprovaram a Lei de Publicização a pedido do Governo. Como já era esperado, o empresário defende a terceirização de unidades e programas da Prefeitura para “entidades sem fins lucrativos” como uma alternativa de gestão. O tempo dirá que a decisão não passa de uma estratégia boa apenas para as empresas e para seus parceiros na política.

A Fundação ABC foi escolhida como OS para a UPA. Ela já atua em algumas cidades da Baixada e também no ABC. Pesquisando no Tribunal de Contas, Ministério Público e na imprensa, descobrimos que a organização tem problemas em várias cidades na prestação de contas e na má execução nos serviços. Com esse histórico, não é uma entidade do terceiro setor que vai trazer excelência para o serviço. É uma empresa que vem para obter lucro. Mesmo assim, foi qualificada pela prefeitura, ganhou a concorrência e será contratada. Como ter a certeza de que será bem fiscalizada?

Barletta – A Prefeitura tem vários meios para fiscalizar tudo isso. Primeiro é ver o histórico. Ela tem que ver esse histórico para contratar ou para permitir que participe da licitação (concorrência). O que eu acredito como vereador é que a Prefeitura vai tomar todas as medidas possíveis para levantar o que há de problema, já que ela foi classificada; fazer uma fiscalização correta. Nós vamos cobrar isso do órgão executivo que é o responsável pela contratação. Essa é a função do vereador.

Como o vereador vai agir quando começar vigorar a contratação das OSs?

Barletta – São alguns aspectos. Primeiro a opinião pública. Hoje eu tenho um serviço de saúde que recebe reclamação e nota baixa pela qualidade do serviço feito exclusivamente por funcionários da prefeitura e gestor público. Nós teremos agora como avaliar. Porque essa UPA é a primeira experiência e não é um equipamento que já era da prefeitura. A prefeitura não está dando nada. Foi uma outra empresa, a Unilus, que construiu com recursos próprios. Então nós já estamos começando com menos riscos, mas vamos analisar. Vamos ver como será essa nova gestão. Pelo que tá na lei das OSs você tem um conselho de administração, tem a própria secretaria com secretário, chefe de departamento… Todo mundo é responsável. Não é porque eles estão entregando para a OS que eles estarão isentos de responsabilidade. Eles têm que tomar muito cuidado e fiscalizar. Nós vamos fiscalizar. Vamos nos equipamentos para ver se a infraestrutura está boa, se a parte de equipamento está funcionando, se o médico está presente, se o enfermeiro está atendendo. Essa é a parte do vereador.

Se o sr. estivesse no Executivo, com poder de decidir, daria o seu aval a essa OS, tendo em vista essas manchas no histórico da entidade?

Barletta – Eu não vi as manchas no histórico da entidade. Você está falando, eu estou escutando, mas eu estou dando crédito para quem está à frente da Secretaria de Saúde, que vai dar o aval e responde civil e criminalmente se fizer besteira. Isso nós vamos fiscalizar. Eu pelo menos não vou dar moleza.

Como será essa fiscalização? Quero entrar no detalhamento dela. Há dois pilares para fiscalizar. Um aspecto desse controle é a transparência financeira, ou seja, como o dinheiro repassado é usado. O outro aspecto é o qualitativo, se o atendimento está a contento. No primeiro aspecto, sabemos que o modelo tem vários problemas. Um deles é o apadrinhamento político, já que não é preciso concurso público.

Barletta – Você conhece bem o serviço público?

Conheço. Também tem apadrinhamento político né? Com o ‘chequinho’ e de várias outras maneiras.

Barletta – Não sei se o ‘chequinho’. Não estou falando de Santos. A gente vê como está a política hoje em dia. Tenho que partir da seguinte premissa: eu me considero uma pessoa séria. É meu primeiro mandato, estou aprendendo e conhecendo um monte de coisa e de gente. Venho da iniciativa privada, tenho um histórico familiar e profissional na cidade. Tenho também um nome a zelar. A gente tem que procurar se cercar de pessoas do bem, honestas, sérias. Se forem sérias, pode ser na política, no jornalismo, na medicina, engenharia, a coisa vai andar. Se tiver gente que tem vontade de fazer a coisa errada, pode ser o sistema que for, vamos achar coisa errada. O sistema de OS, pensando em pessoas de bem, é uma ferramenta que as prefeituras, os estados e a União têm para melhorar um serviço que não está dando certo, dar mais agilidade e flexibilidade principalmente na área de licitações, equipamentos. Por exemplo, quebrou um tomógrafo. Na prefeitura demora um ano até mandar consertar, verificar. Se houver nova licitação, quem ficou em segundo entra com mandato de segurança, demora. Já na unidade com OS, essa empresa pode comprar o tomógrafo e, ao comprá-lo, obrigatoriamente quem está na gestão do contrato tem que ver por quanto foi, ver nota fiscal. É como eu imagino que deve ser.

O sr está presumindo que as pessoas são todas do bem.

Barletta – Estou partindo da premissa que o gestor que está aí, o secretário, o chefe do departamento e todos os funcionários públicos de carreira que estão ali são pessoas de bem, que vão fiscalizar.

Quando se lida com milhares de pessoas, quando se trata da coisa pública e se a missão principal do vereador é fiscalizar, não dá só para presumir o melhor. Há que se ter mecanismos de controle, até para que o cidadão possa acompanhar, não acha?

Barletta – Mas esses mecanismos de controle existem na gestão da OS.

Não existem. Para a população em geral, não. Como é que o cidadão comum vai saber de todas as operações de uma OSs com o dinheiro público? Hoje, tudo o que a secretaria compra ou contrata está lá no D.O. Informações até difíceis de interpretar, mas elas estão ali publicadas. Hoje se quiser verificar o preço de uma compra de 500 esparadrapos é possível. Ver qual a marca, o fornecedor, quanto custou cada unidade, se estão em quantidade suficiente nas unidades. Com os gastos das OSs isso é mais difícil.

Barletta – Será que hoje a gente consegue verificar isso mesmo? Não sei quem era a pessoa que vc entrevistou e que estava me falando algo selelhante. Ele disse: “Eu vejo lá no D.O. comprou não sei quantas caixas de comprimidos. Como é que eu vou saber se o comprimido está ali?” Eu falei: “o sr. tem razão chefe”. Nós temos que verificar seja a compra feita pelo funcionário público, via licitação normal ou por uma OS. A gente tem como cobrar.

No novo modelo vai dar para verificar todas as notas fiscais e ter certeza se não são superfaturadas, já que não há licitação?

Barletta – Tem como saber.

Mas o caminho não é mais difícil?

Barletta – Como é que o pessoal ficou sabendo que um funcionário público fez uma compra de hortifrutigranjeiro para o Orquidário e foi superfaturada? As vezes não é nem culpa do coitado que está ali. Tem mais essa. Se você for dar uma checada na parte de licitação, muitas vezes é complicado. A iniciativa privada esta ali também com pessoas de bem e do mal.

Bom, mas em algum momento foi publicado no D.O. essa compra e foi possível chegar à irregularidade. E olha que estamos falando de uma unidade (UPA) de pequeno porte. E quando for um hospital na mão de OS? Não tem como o cidadão acompanhar.

Barletta – Acho que foi muito bom ter saído esse experimento de OS numa unidade menor, que não é do município. Tem a prerrogativa de poder usar funcionário público também. No conselho de administração vai fazer parte funcionário público de carreira. Se for competente e honesto, caso haja falcatrua, ele vai pegar. Pode fiscalizar diariamente, quinzenalmente, mensalmente. Pode pegar tudo, pedir documento e checar. Não é só o balanço final, que uma coisa demonstrativa.

O sr. também se propõe a fazer isso como vereador?

Barletta – Como vereador, dentro das minha possibilidades eu tenho procurado fiscalizar alguns. Porque você tem que pegar por amostragem, se não não dá. Então, nessa OS, como é uma só, a gente pode agir mais. Eu já fui no PS Central, da Zona Noroeste, numa UBS que estava sendo reformada, numa policlínica. A gente procura ir. Não dá para ir em todas, todo dia, toda a hora. Tem dia que você pega a coisa funcionando. Tem dia que você pega o pessoal reclamando. Já peguei várias vezes situações em que o médico não foi. Faltando enfermeiro, faltando segurança. E não pode mandar embora porque o cara não está vindo ou porque o cara está trabalhando mal. Diferente de um hospital particular ou de uma OS que é possível trocar. A prefeitura pode falar que não quer mais fulana de tal porque não está trabalhando. Troca imediatamente. Essa agilidade é boa para o sistema.

A agilidade não pode ocorrer em detrimento da transparência?

Barletta – Flexibilidade. Eu acho que tem que ter transparência e que qualquer vereador que peça alguma coisa (para a OS apresentar) imediatamente vai ser atendido.

Na prática não é o que tem acontecido em outras cidades. As empresas demoram muito para prestar contas, responder requerimentos dos vereadores e do próprio Tribunal de Contas. Ainda assim, o sr. sai fazer essa lição de casa, se debruçar em documentos, relatórios, números, e depois verificar in loquo? Porque o que acontece é que as empresas apresentam quando querem o relatório que lhes convém. Podem trazer calhamaços e todos acharem lindo sem apurar se correspondem à realidade.

Barletta – Dentro das minhas possibilidades. Não sei se consigo ser full-time um fiscal de OS. Mas temos aqui na casa um médico renomado, vereador de oposição, e acho que ele vai ficar atento. A gente tem muito contato. Um ajuda o outro, troca ideias. Ele me ajuda quando quero fazer algum questionamento na área médica. Os sindicatos, na minha opinião, não estão preocupados só com a falta de transparência, se vai funcionar ou não. Estão preocupados exclusivamente com seus umbigos, se vão ter menos espaço para o funcionário público, se haverá problemas com a Capep, Iprev. Eu acho que não vai ter. Isso tem que ficar claro para a população. Quem paga o salário meu, do funcionário de carreira e celetista é a população. E o principal julgamento que teremos na parte de qualidade será da população. Ela vai nos dar o feedback se está funcionando. Agora, se melhorou e como está sendo empregado o dinheiro, nós temos que ir atrás e exigir, se for preciso, relatórios, notas.

Se a população avaliar mal o que o sr. vai fazer? E no aspecto qualitativo qual o parâmetro que o sr. vai usar para saber se o atendimento é ruim e se este ruim é ainda pior do que antes?

Barletta – Eu sou o fiscalizador do gestor, que é o executivo. Se eu sou o executivo eu vou cobrar. Tá indo mal, onde esta indo mal? Tem o chefe de departamento, os funcionários públicos que fazem parte do conselho. Deu um mês e qual o resultado? Ou muda os representantes que fiscalizam ou muda os funcionários que não estão indo bem ou muda a OS. Ou até, quem sabe, numa hipótese muito exagerada, acaba com a OS. Se ela não é boa…

Isso é muito difícil quando já tem lei e o contrato já foi firmado. Em Mato Grosso teve denúncias muito sérias e até operação policial aí os Hospitais Regionais terceirizados sofreram intervenção.

Barletta – Mas o contrato é por prestação de serviços. Tem metas de gestão, tem índice que tem que atingir. Se não cumprir metas, corre-se o risco até de ser desqualificado.

Sim, elas têm metas de produtividade e há OSs que até ultrapassam o número de consultas. Temos visto duas situações: OSs que apresentam relatórios que não correspondem à realidade e simplesmente colocam mais consultas no papel do que realmente houve, e OSs que realmente ultrapassam as metas e o aspecto quantitativo se sobrepõe ao qualitativo, com consultas de um minuto.

Barletta – Hoje esse é um problema do SUS. Em várias unidades do Estado isso acontece. Eu recebo reclamação do tipo: “o médico nem olhou na minha cara”. Eu fui atendido no PS uma vez e fiquei com pena do médico. Ele também não olhou na minha cara. Eu tinha passado mal, fui atendido pelo Samu, que estava limpinho e chegou rápido. Lá dentro você vê pacientes chegando na emergência, é uma bagunça, é um negócio tão mal… E aí você vai fazer a crítica e depois começa a verificar que 45% da própria Santa Casa, que é nosso hospital referência, é de fora de Santos. A gente paga para atender os outros. É um sistema que precisa ser remodelado. O SUS é uma fórmula boa no conceito mas precisa ser resolvido em termos de recurso.

E precisa vontade política, porque o grande problema do SUS é o investimento. Não o modelo.

Barletta – O problema é gestão. As vezes você tem o recurso, mas você gasta mal. Deve ser essa a principal preocupação do gestor. Tomar cuidado na hora de gastar.

Temos um relatório do Tribunal de Contas do Estado que fez um comparativo e mostrou que hospitais municipais de São Paulo terceirizados são mais caros para o poder público. Além disso, alguns índices, como taxa de mortalidade, são piores.

Barletta – A gente não deve partir da premissa de que em algum lugar, por alguma OS, por algum tipo de gestor fiscalizando deu problema, aqui vai acontecer o mesmo.

Mas não acende uma luz amarela?

Barletta – Também não posso achar que se em alguma outra cidade com uma OS boa e um gestor bom deu tudo certo, aqui vai dar. Cada caso é um caso. Teremos de ficar atentos, acompanhando par e passo. Temos inúmeros casos de OSs que deram certo e muitas que deram errado, teve falcatruas.

Posso assegurar que deu muito mais errado do que certo.

Barletta – Mas a gente abre o jornais e vê falcatruas em tudo que é lado, em tudo que que é setor. Federal, estadual, municípios. É merenda, é petróleo, é mensalão, uma roubalheira… E com funcionários de carreira.

E com empresas como corruptoras ou corruptas. Petrobras é isso. Relação entre empresa e setor público. E OSs são empresas atuando por dentro do estado.

Barletta – Se tiver um corruptor forte e chegar em você e você for firme, ele não consegue fazer nada. Se não tiver o corrupto não vira.

Então na sua opinião, sobre o modelo é questão de pagar pra ver.

Barletta – Não é pagar pra ver. É acompanhar bastante.

O sr. está otimista?

Barletta – Eu acho que o serviço precisa ser melhorado. Essa é uma ferramenta que está sendo implementada. Vamos avaliar. A minha visão é exatamente essa. Ver a coisa melhorar. Ver as metas serem cumpridas. Ver o dinheiro ser bem empregado e apertar que tem que ser fiscalizado. O sindicato pode nos ajudar nessa fiscalização.

É o que temos feito. Como não entrou em vigor ainda o sistema em Santos, temos falado das outras experiências em outras cidades. O problema é que aqui já começou mal, com a qualificação de uma OS que tem um monte de problema. Esse é um sinal muito claro que começou mal apesar dos alertas.

Eu tenho conversado muito com um amigo sobre uma experiência de OS em um hospital de M’Boi Mirim. Uma entidade ligada ao Einsten, que tem feito um bom trabalho. Eu gostaria que viesse para Santos algo desse nível (*)

Pelo que pesquisamos, todas as OSs qualificadas para a área da Saúde, com exceção da Fundação Lusíada, tiveram problemas. A Comissão de Publicização, que faz esse primeiro filtro, analisando documentação, CNPJ, validou essas entidades como OSs. É para nós um sinal claro que a fiscalização do executivo é falha.

 

(*) A OS que administra o hospital citado pelo vereador é o Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim (CEJAM), que também teve seu nome ligado a denúncias de irregularidades em hospitais do Rio de Janeiro. O Tribunal de Contas do Município (TCM) fez uma auditoria que mostra irregularidades praticadas em unidades de saúde administradas pela Cejam. Veja a matéria

Segundo o documento, divulgado no fim do mês passado, no Hospital Municipal Evandro Freire, na Ilha do Governador, os médicos e enfermeiros receberam salário mesmo antes da unidade ser inaugurada. O assunto foi tema de uma reportagem do telejornal RJTV .Veja o Vídeo.

Os fiscais apontam que, embora o hospital tenha começado a operar em 7 de fevereiro de 2013, a Cejam, gestora do local, começou a receber da Prefeitura em março de 2012. Funcionários receberam sem trabalhar e com a casa de saúde ainda em obras. Os gastos chegam a cerca de R$ 2,5 milhões em salários.

Em seu relatório, o TCM diz a gestora recebeu pagamentos referentes à capacidade plena de 100 leitos. No entanto, durante um ano, o hospital funcionou com apenas 57. A direção, porém, afirma que em novembro deste ano já funcionam 103 leitos.

Outra suspeita levantada pelo Tribunal de Contas do Município é que a Cejam apresentou gastos à prefeitura que não têm relação com a administração do Hospital Evandro Freire. Foram R$ 140 mil em passagens aéreas, R$ 1 mil em bares e churrascarias e R$ 19 mil em um botequim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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