A terceirização da saúde no município de Santa Isabel (SP) causou um prejuízo de pelo menos R$ 1,5 milhão no desvio de verba que deveria ser direcionada à contratação de médicos para atender a população da cidade.
É o que aponta o relatório divulgado pela Comissão Permanente de Inquérito (CPI) da Câmara, que denunciou irregularidades no contrato entre a Prefeitura e a organização social Casa de Saúde Santa Marcelina, para a administração dos postos do Programa Saúde da Família.
A denúncias foram levadas ao Ministério Público, que analisa o relatório onde os vereadores apontam, entre outras irregularidades, que a entidade recebia a verba, mas deixava os postos sem equipes. O caso foi noticiado nesta quinta-feira (10/9), no site G1.
Segundo a reportagem, alguns locais chegaram a ficar sete meses sem médicos. O relatório final da CPI foi encaminhado à 2ª Promotoria de Justiça de Santa Isabel que dará um posicionamento sobre a abertura ou não de um inquérito civil no prazo de 30 dias.
Independentemente do que fará o promotor público, o primeiro efeito prático das denúncias feitas pela comissão foi o afastamento do secretário de saúde de Santa Isabel, Leonardo Aquino Diniz.
O G1 teve acesso ao relatório da CPI, criada no dia 27 de novembro de 2014, após sessão ordinária realizada no dia 11, onde o ex-secretário de Saúde, Leonardo Aquino Diniz, declarou que estava ciente de que havia falta de médicos nos PSF e que os recursos pagos à organização social teriam sido devolvidos ao município em forma de obras nos prédios públicos, sem licitação.
Outro fato bastante impressionante nesta história é a relação do secretário com a OS acusada de desvio, embora a promiscuidade entre público e privado nos processos de terceirização da saúde pública não chegue a ser uma novidade.
Em depoimento, o ex-secretário Aquino afirmou que o contrato foi firmado em outubro de 2013, e que na época ele era funcionário da entidade. Ele teria se desligado em janeiro de 2014, antes de assumir a pasta.
Sem médicos
Segundo o presidente da CPI, o vereador Jorge Vidal, o relatório aponta que os pacientes dos postos de saúde dos bairros Cachoeira, Novo Éden, Ouro Fino e Eldorado, desde o início do contrato até agosto, sofreram com a ausência de médicos. No bairro Cachoeira foram sete meses sem médicos, no Eldorado e Ouro Fino, quatro meses, e no Novo Éden, dois meses. O contrato previa a admissão de sete médicos, sete enfermeiros, 14 auxiliares de enfermagem, sete dentistas, sete auxiliares de saúde bucal, e 14 auxiliares administrativos.
“O não atendimento desse quadro, impactou diretamente na meta de atendimento mensal que a organização deveria cumprir em contrato. A meta dos médicos era de 400 atendimentos por mês, por exemplo, e o volume de pacientes atendidos foi muito menor. Isso gerou perda de repasses do município perante o Ministério da Saúde”, destacou o vereador.
Médica recebendo duas vezes
Outra situação considerada grave pela comissão é a existência de uma médica participante do Programa Mais Médicos, do Governo Federal, no lugar de um médico que deveria ter sido contratado pela organização, para atuar no bairro Eldorado.
Segundo o relatório, a médica é de nacionalidade cubana e registrada no programa em 2 de novembro de 2013. Ela recebia da Prefeitura de Santa Isabel R$ 2,5 mil referente ao auxílio moradia, alimentação, água e transporte, enquanto que o salário já é pago pelo governo federal. “No orçamento da entidade, não há devolução do valor pela contratação de seis médicos, e não sete, como previa o contrato. É evidente que a Casa de Saúde recebeu pelo profissional médico que deveria estar trabalhando no Jardim Eldorado, no lugar da médica cubana. Podemos afirmar que desde o início a entidade faz uso de uma médica de outro programa, recebendo ao mesmo tempo os recursos que deveriam ser usados na contratação de um profissional, causando prejuízo aos cofres públicos e à população”, disse o presidente.
Desvio de finalidade
Além disso, o documento aponta que as unidades do PSF passaram por reformas com recursos que deveriam ter sido usados para custear a contratação de médicos e outras obrigações contratuais. Uma delas foi formulada no dia 12 de agosto de 2014, nove meses após a organização assumir a gestão, pelo valor de R$ 391.294,15. Esse valor corresponde exatamente ao que a entidade deveria ter gasto até julho de 2014 se tivesse cumprido suas obrigações, segundo o registro orçamentário fornecido por ela à CPI.
O relatório mostra ainda que, em 16 de julho de 2014, a Prefeitura de Santa Isabel realizou dois contratos no valor de R$ 392.407,00 para obras nos postos, no valor que a entidade declarou ter gasto. “Pelos depoimentos, identificamos que as obras aconteceram simultaneamente pelas empresas contratadas pela Santa Marcelina e pela Prefeitura, mas não eram intervenções necessárias. Um dos médicos ouvidos, afirma que a sala dele, por exemplo, piorou as condições de trabalho após a reforma, visto que ele não conseguia lavar as mãos para o atendimento, porque as torneiras da unidade não funcionavam”, explicou o presidente.
Em outro depoimento, o médico ouvido informou que, após a reforma, a sala ficou “insuportavelmente quente”, tanto para o médico, quanto para os pacientes, e que não havia cadeira ginecológica para atender.
Posicionamentos
A Prefeitura de Santa Isabel informou em 26 de agosto que nomeou João de Deus, diretor de Saúde do município, para o cargo de secretário da pasta, no lugar de Leonardo Aquino Diniz, que pediu afastamento sete dias após a divulgação do relatório final da comissão. O Executivo abriu sindicância para apurar o relatório final apresentado na CPI e aprofundar as investigações para verificar eventuais responsabilidades na gestão do contrato e erros nos procedimentos da administração.
Em nota a Prefeitura de Santa Isabel informou ao G1 que reafirma o “total convencimento sobre a idoneidade da instituição Casa de Saúde Santa Marcelina” e que estão “tranquilos quanto a qualquer desfecho que possa ter como consequência as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito”. Ainda de acordo com a administração municipal, o ex-secretário tem prestados todos os esclarecimentos necessários.
A Prefeitura ressalta que a Câmara cumpre o seu papel de fiscalização ao acompanhar os atos da administração, mas pediu cautela. “As comissões são instrumentos adequados para esta finalidade [apurações], todavia, cediço que não é peça conclusiva em si, suficiente para julgar e condenar quem quer que seja pois, nessa fase, carece da garantia de ampla defesa e contraditório”, informou.
Já a organização social Casa de Saúde Santa Marcelina informou, em nota, que ainda não foi notificada oficialmente pela comissão sobre o teor do relatório e seu resultado. “ Sendo assim aguardaremos a conclusão e no momento oportuno todos os esclarecimentos serão prestados aos órgãos competentes, a imprensa e a população desse município”.
O Ministério da Saúde informou em nota que “a médica Yirmia Rondon Martinez está inscrita no Programa Mais Médicos. No entanto, a profissional está afastada devido a problemas de saúde com dependente legal e retornou temporariamente a Cuba. Caso a médica não retorne às atividades no Brasil, ela será substituída por outro profissional da cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Cabe ressaltar que inexiste relação entre o afastamento e a situação investigada pela CPI da Câmara de Santa Isabel”.