A Fundação do ABC, organização Social (OS) que a Prefeitura de Santos contratou para gerenciar a futura UPA da Vila Mathias, está mais uma vez na mira de investigações de parlamentares. Desta vez são os vereadores de Ribeirão Pires que querem saber mais detalhes sobre os contratos com a entidade na saúde do município.
Eles aprovaram por unanimidade uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar contratos do Executivo firmados com a OS. Verificar de perto a qualidade dos serviços prestados após diversas queixas da população é um dos objetivos da Comissão, segundo publicou o jornal Diário do Grande ABC. Outro ponto a ser esclarecido pela CPI é a constante falta de médicos nas unidades terceirizadas ou conveniadas.
O convênio que a Fundação do ABC assinou com o município teve início em 2013, e visava reforçar o quadro de profissionais em unidades da Atenção Básica, Saúde Mental, Urgência e Emergência, além do Hospital e Maternidade São Lucas.
Assembleia Legislativa
Desde junho deste ano, uma Frente Parlamentar na Assembleia Legislativa também trabalha para fiscalizar as ações da Fundação do ABC em vários municípios. Segundo a responsável pelo lançamento da Frente, a deputada Vanessa Damo (PMDB), o objetivo é passar um pente fino em contratos da OS e cobrar o retorno do dinheiro público por meio do atendimento digno à população em cidades como Mauá, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Praia Grande, Franco da Rocha e Caieiras. “Os contratos têm valores altíssimos, mas o atendimento é péssimo. Vidas estão sendo perdidas e isso não tem preço. Vamos investigar os gastos, tendo em vista que o orçamento da Fundação é de R$ 1,5 bilhão ao ano. Iremos encaminhar nosso relatório para a Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas”, afirmou a deputada no evento que lançou a Frente.
Somente em Mauá, a organização recebe R$ 168 milhões ao ano para gerenciar o Hospital Dr. Radamés Nardini, 23 UBSs (Unidade Básica de Saúde) e 4 UPAs (Unidade de Pronto Atendimento). “Planilhas de custos aceitam tudo, mas a realidade é de falta de médicos e de medicamentos nos postos de atendimento. A população sofre na mão do sistema público de saúde. É uma vergonha o que está ocorrendo”, destacou.
Saiba mais sobre o passado da empresa
A Prefeitura de Santos alega que Fundação do ABC (FUABC) foi a única a apresentar proposta na concorrência para a gestão da futura unidade. Por R$ 19,1 milhões anuais, ela receberá um prédio equipado com dinheiro dos contribuintes para realizar o que a administração municipal deveria fazer: “cuidar das pessoas”.
A julgar pelas irregularidades que pesam contra a entidade, o trabalho de fiscalização será duro. Aqui em Praia Grande, por exemplo, a contratação da “entidade” para gerenciar o PS do Boqueirão (Central) foi julgada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).
A decisão, de 14 de outubro de 2014, é referente ao convênio firmado em 21 de março de 2011. Na época, a Fundação ABC já era contratada para gerir o Hospital Municipal Irmã Dulce. A nova atribuição lhe rendeu mais R$ 45,2 milhões por 36 meses.
Os fiscais do TCE apontaram diversas falhas no contrato. Dentre elas, o fato de não haver sequer dados estimativos de atendimentos e procedimentos a serem realizados no PS.
O Ministério Público Estadual (MPE) de Praia Grande também apura a execução de serviços na saúde via terceirização. Em março deste ano, o promotor de Justiça Vinicius Rodrigues França informou que de oito inquéritos civis instaurados sobre o assunto, três apuram supostas irregularidades nos convênios firmados com a Fundação ABC.
Entre as informações que o Ministério Público persegue estão os detalhes sobre a prestação de contas da Fundação ABC de 2012. Elas foram reprovadas pelo TCE em outubro do ano passado.
Neste mesmo caso, o TCE condenou a OS a devolver aos cofres do município a quantia de R$ 1.313.240,72. Segundo os auditores, o dinheiro foi repassado de forma irregular à entidade.
Peruíbe
Em junho deste ano também foi declarado irregular pelo TCE o contrato firmado entre a Prefeitura de Peruíbe e a FUABC para a gestão de uma UPA. O contrato foi firmado em 2012, por prazo de 90 dias. Entre as falhas apontadas está o fato de a entidade sequer ter sido qualificada por aquele município como uma OS.
Em Santo André, um déficit no valor de R$ 7.768.694,31 gerou a reprovação das contas da Fundação pelo TCE. Naquele município a OS gerencia o Hospital Mário Covas. O Tribunal determinou a devolução dos valores recebidos como ‘taxa de administração’. Em todos os casos cabe recurso.
Quem vai fiscalizar as contratações de apadrinhados?
Alheia a todas as denúncias feitas sobre a empresa que terceirizará a gestão da UPA da Vila Mathias, a Prefeitura de Santos dá sequência aos trâmites para que a unidade seja inaugurada já completamente terceirizada no primeiro semestre de 2016. No último dia 25, a Fundação do ABC começou a receber currículos de médicos em várias especialidades.
A seleção de pessoal não terá controle público. Nenhum vereador, por exemplo, poderá acompanhar o processo para verificar se realmente serão contratados os melhores profissionais. Ninguém do Conselho Municipal de Saúde poderá opinar. Tribunal de Contas, Ministério Público e até mesmo o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (principal articulador para a entrada das OSs em Santos) não poderão fiscalizar a escolha. Afinal, trata-se de uma empresa privada. E foi exatamente por isso que foi contratada, um jeitinho pra fugir dos olhos do povo.
Quando os defensores das OSs falam que elas “têm mais agilidade e são menos burocráticas”, é disso que falam. As OSs podem contratar quem quiserem, com os critérios que quiserem e não precisam prestar contas. Podem facilitar a entrada de amigos, arrumar um carguinho para um parente ou um cabide para um cabo eleitoral de algum vereador que, sem pestanejar, disse SIM à lei que criou o Programa de Publicização.
Há dezenas de casos onde OSs chegaram ao cúmulo de contratar médicos falsos. Recentemente, uma OS da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, contratou uma médica condenada por decapitação!
Outra “agilidade” das OSs é na hora de comprar (com dinheiro público, lógico) materiais e equipamentos. Nada de licitação, pregão eletrônico ou qualquer outra forma “burocrática” de controle social que, diga-se de passagem, a população conquistou a duras penas para restringir minimamente a corrupção.
Os defensores das OSs e os que se omitiram dizendo que esperariam acontecer para depois fiscalizar irão agora entrar dentro da Fundação do ABC para fiscalizar a seleção de pessoal? Concurso Público não é perfeito, mas é a ferramenta mais avançada que a nossa democracia conseguiu elaborar para selecionar os melhores profissionais de forma impessoal, imparcial e justa.