Mary Ueta, representante do Conselho Regional de Psicologia (CRP) no Conselho Municipal de Saúde de Santos (CMSS), é a entrevistada desta semana. Ao Ataque aos Cofres Públicos ela diz que o Conselho funciona a serviço do Governo Municipal e lamenta que a mesma diretoria esteja no poder há quase 10 anos.
A conselheira conta que não há uma real paridade na composição de forças no órgão, já que há mais pessoas ligadas à administração e que poucos são os que realmente se posicionam pelos interesses dos usuários e trabalhadores.
Mary afirma ainda que a dinâmica das reuniões do Conselho funciona para que tudo seja aprovado sem espaço para discussão. Ela critica a falta de um debate sobre da Lei da Publicização, que autorizou a terceirização via Organizações Sociais (OSs).
Como é o controle social no Conselho Municipal de Saúde de Santos?
Mary Ueta – Entrei na última gestão, em julho. Foi uma eleição muito tumultuada, principalmente em relação à paridade dos segmentos que compõem o conselho. Teria que ter um terço de trabalhadores, um terço de gestão e um terço de usuários. Mas há um entendimento deles de que no grupo de trabalhadores estão incluídas pessoas da gestão. A gente vê pouca participação de usuários representados por movimentos sociais.
Os usuários e trabalhadores têm voz?
Mary Ueta – Vejo pouca participação daqueles que são os maiores prejudicados com o menor controle social, aqueles que usam os serviços e também os trabalhadores. Os sindicatos que compõem o segmento dos trabalhadores não têm um posicionamento que favoreça o trabalhador. A gente fica muito nesse embate da defesa das relações trabalhistas e o impacto que isso pode ter no atendimento, só que é aberto pouco espaço para essa discussão.
Na época do envio do projeto da Publicização à Câmara não houve uma posição oficial do Conselho referendando ou repudiando a decisão do poder público? O Conselho não deveria ter sido consultado e se posicionado?
Mary Ueta – O Conselho sempre se posicionou em cima do muro. Não houve essa discussão com a população. Houve, depois, a intervenção do CMSS em relação à participação dos conselhos (no processo de contratação de organizações sociais). Porque, pela proposta inicial, os conselhos teriam apenas o poder consultivo. Isso foi questionado e eles foram incluídos com poder deliberativo dentro desse grupo que analisa o chamamento público para a contratação das Organizações Sociais.
Antes dos vereadores aprovarem a lei que permite a terceirização dos serviços públicos via OSs, não houve qualquer discussão com a sociedade se esse modelo é bom ou ruim para a cidade?
Mary Ueta – Não. Só depois (da aprovação da lei) houve audiências públicas com a participação do secretário de gestão, Fábio Ferraz, e do promotor do trabalho, que na época falou sobre a inconstitucionalidade da lei.
Antes da lei passar não deveria ter sido feito esse debate?
Mary Ueta – Com certeza. Uma discussão ampla, não só no Conselho, como com a sociedade civil.
Como profissional da saúde, como você avalia a entrada das OSs e oscips no serviço público de saúde?
Mary Ueta – A gente defende a saúde pública e a não mercantilização da saúde como moeda de troca. Aqui em Santos tem um histórico das políticas públicas serem vistas como algo filantrópico, de caridade, não só no caso das Santas Casas, mas também na política de assistência social e na educação. Isso é uma cultura aqui. Também há essa questão da coisa pública ser tratada como algo particular. Com isso perde-se qualidade técnica, acontece a precarização das relações de trabalho e a autonomia do trabalhador fica muito comprometida.
Isso reflete no atendimento ao munícipe?
Mary Ueta – Com certeza, porque a gente enfatiza muito a visão da rede de saúde e a lógica da atenção primária, de trabalhar em conjunto para o melhor encaminhamento do paciente. Quando tem OS – e a gente vê isso em São Paulo -, o gestor não tem obrigação de fazer a prestação de contas dessa qualidade. As OSs também não precisam fazer licitações como os órgãos públicos. As OSs podem contratar as pessoas que quiserem, com critérios próprios, favorecendo uma relação de poder vinculada a políticos. Perde-se muito em qualidade técnica e, principalmente, em autonomia do trabalhador em responder e atuar calcado em qualidade.
Essa posição também é compartilhada pelo CRP?
Mary Ueta – Sim. O CRP defende a saúde pública, o SUS, e segue toda uma lógica da reforma sanitária e da luta antimanicomial, que prevê a questão das redes de atendimento, apoio e de acolhimento, como os Caps.
Como é a dinâmica de discussão das políticas no conselho de saúde?
Mary Ueta – Lá quando vem a (orientação para) aprovação de algo a gente não consegue discutir muito amplamente.
Não há espaço para debates?
Mary Ueta – É feito na base do “vamos aprovar logo”. A gente tenta articular com algumas pessoas para tentar garantir o debate, mas somos minoria, um ou dois diante de 30. É muito difícil fazer esse embate. Mesmo quando você tem um pouquinho de fala, eles ficam cortando, falam coisas absurdas para desvirtuar a conversa. É muito desgastante. Tem que ser muito combativo para conseguir colocar as ideias, que dirá para se fazer ouvir e conseguir fazer alguém aderir e votar contra.
Então é um conselho que está a serviço da gestão?
Mary Ueta – A serviço da gestão. A gente vê pela própria perpetuação da mesma diretoria por quase 10 anos. Que democracia participativa é essa que mantém a mesma diretoria por tanto tempo?
Falta a população se apropriar do Conselho, uma instituição que foi criada justamente para garantir a participação da sociedade?
Mary Ueta – Falta muita consciência da população em relação aos direitos. Eu vejo que as pessoas se intimidam. Mesmo as que querem participar e que as vezes vão lá fazer seu depoimento ou uma denúncia pública, se desestimulam. Quando há uma denúncia numa reunião tem que constar em uma ata, certo? Isso não é um documento já? Não serviria de encaminhamento para as demandas? Aí falam pra protocolar essa queixa em três vias… Isso desestimula. As vezes vejo alguns trabalhadores que, num ato de desespero, vão lá fazer uma denúncia junto ao Conselho, dizer que falta um equipamento vital numa UTI ou coisa parecida. A pessoa fica marcada, a denúncia não vai pra frente. O conselho não assume aquilo como um compromisso. As pessoas ficam desestimuladas a participar num espaço em que tudo é falado por siglas. Tudo é aprovado a toque de caixa. Quem é contra acaba sendo ridicularizado, vira a pessoa do contra. Já fiz a fala contra a terceirização, sobre o impacto que isso traria. Fui chamada de comunista, corporativista.