Se a justiça tarda mas não falha ainda é cedo para dizer. Mas o fato é que após diversas reprovações de contratos entre a Prefeitura de Cubatão e a organização social Instituto de Medicina, Saúde e Vida (IMSV). (várias delas mostramos aqui no Ataque), finalmente o prefeito Ademário Oliveira (PSDB) responderá de forma mais efetiva.
Segundo relatório final da investigação da Polícia Federal (PF) sobre as irregularidades de um desses contratos, firmado em 2017, foram desviados R$ 2,7 milhões dos cofres públicos. O documento foi exibido pela TV Tribuna, emissora afiliada à Rede Globo, nesta quinta-feira (8), e aponta que a OS foi contratada sem licitação por R$ 6,9 milhões, a pedido de Ademário e que foi indiciado por três crimes (veja abaixo).
Conforme registrado pela PF, Ademário Oliveira e mais três pessoas (a então secretária de Saúde, Sandra Lucia Furquin, o responsável pela OS, Almir Matias – preso desde agosto -, e Márcio Adriano Marques, que atuava na OS) foram indiciadas por ‘peculato’, ou seja, apropriação do dinheiro público para benefício próprio.
O prefeito Ademário Oliveira também foi indiciado por mais dois crimes: integração em associação criminosa e dispensa de licitação fora de hipóteses previstas em lei. Em nota ao g1, o político alegou que “não ficou demonstrado no inquérito, em momento algum, eventual desvio de recurso público”
A investigação
A contratação entre a Prefeitura de Cubatão e a OS IMV, segundo a PF, foi feita com a dispensa de licitação e tinha como objetivo administrar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Parque São Luiz. De acordo com a corporação, tal contratação se deu em 2017, pelo valor de R$ 6,9 milhões.A citada OS substituiu a Organização Social Revolução, porém, conforme aponta o relatório, ambas tinham o mesmo responsável, o empresário e cantor sertanejo Almir Matias. A IMSV, segundo a Polícia Federal, chegou a mudar de nome para Imegas durante o processo.
Em depoimento à PF, Almir Matias confirmou que era diretor da OS Revolução e que teve dois contratos em Cubatão (SP) para administrar a UPA e a unidade de Atenção Básica. Tais contratos, segundo depoimento de Matias, teriam sido firmados na gestão da prefeita Márcia Rosa e avançado por nove meses na gestão de Ademário Oliveira.
Conforme reportado anteriormente pelo g1, Matias revelou à PF, ainda, que Ademário Oliveira pediu R$ 100 mil na época da campanha e mais R$ 30 mil mensais durante os oito meses de contrato. O cantor sertanejo alegou à corporação que o pagamento foi feito e, às vezes, era entregue em dinheiro para Cesar Silva Nascimento, então chefe de gabinete do município.
A investigação aponta também que a contratação da IMSV foi feita com a apresentação de documentos ilegais. A citada OS, de acordo com a PF, apresentou atestados falsos de capacidade técnica, como se já tivesse prestado serviços na área da saúde.
A defesa de Almir Matias disse desconhecer a ligação do cliente com a OS MSV. “O que é fato é que ele tinha o controle da OS Pró-Vida. Das demais, não tenho nenhuma informação acerca disso”, disse o advogado José Eduardo Santos.
Quem é Almir Matias
Almir é dono e controlador de entidades que se classificam como Organizações Sociais, como é o caso da Pró-Vida, gerenciou o atendimento nas principais unidades de saúde de Guarujá entre os anos de 2018 a 2021.Na decisão, o juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho entendeu que Almir Matias faltou com o dever de verificar se os ventiladores adquiridos possuíam registro junto ao órgão de Vigilância Sanitária.
Segundo o juiz, Matias administrava a OS que havia celebrado diversos contratos de gestão na área da Saúde com as prefeituras de Guarujá e Cubatão, circunstâncias que evidenciam a omissão no emprego da cautela e atenção necessárias durante a aquisição dos equipamentos médicos.
Recentemente, Matias foi indiciado pela Polícia Federal em uma investigação que apurou quatro contratos assinados entre a OS Pró-Vida e a Prefeitura de Guarujá. Neste inquérito, o delegado responsável pelo caso indiciou também o prefeito de Guarujá, Válter Suman, a primeira-dama, Edna Suman, além de outras 23 pessoas, como ex-secretários municipais e um vereador.
O que diz Ademário Oliveira
O prefeito Ademário Oliveira (PSDB), por meio de nota, reafirmou que “sempre colaborou com a Polícia Federal nas diligências realizadas e que não ficou demonstrado no inquérito, em momento algum, eventual desvio de recurso público, sendo certo que valores foram retidos pela Prefeitura de Cubatão para garantir a execução do contrato com a empresa citada no inquérito”.
Ainda de acordo com a nota, Ademário disse aguardar “serenamente o resultado das investigações, sempre confiando na Justiça”. Na resposta, o prefeito apontou que o processo licitatório da empresa Imegas, realizado em 2017, foi precedido por procedimento de habilitação legítimo junto à Comissão pré-constituída pela administração municipal cuja Secretária de Saúde, de Sandra Furquim.
Por fim, sobre os problemas encontrados na UPA do Jardim Casqueiro, Ademário afirmou que “foram herdados da administração municipal anterior”. Segundo o chefe do Executivo, pela essencialidade do serviço e visando à não interrupção dos atendimentos de urgência e emergência, o atual Governo foi obrigado a manter a mesma entidade gestora por mais oito meses até ser realizada nova contratação.
Veja nos links abaixo a quantidade de matérias que o Ataque aos Cofres Públicos publicou sobre as irregularidades da OS IMSV nos últimos 5 anos:
2017
Algo cheira mal nas contratações emergenciais de novas OSs em Cubatão
2018
Mais terceirização com dispensa de licitação em Cubatão
Terceirização da UPA de Cubatão vai sair caro para a população
Tribunal de Contas suspende terceirização de UPA em Cubatão
2020
CONTRATO DA CARRETA DO COVID-19 EM CUBATÃO TEVE FALHAS, DIZ TCE
NOVO PEDIDO DE CASSAÇÃO CONTRA ADEMÁRIO É PROTOCOLADO NA CÂMARA DE CUBATÃO
TCE-SP julga irregular terceirização da UPA com dispensa de licitação em Cubatão
TERCEIRIZAÇÃO DA SAÚDE EM CUBATÃO VOLTA A TER CONTAS REPROVADAS
TRIBUNAL MULTA PREFEITO DE CUBATÃO POR TERCEIRIZAÇÃO DE UPA
2021
CARRETA DA COVID EM CUBATÃO FUNCIONOU DE FORMA IRREGULAR
MP DE CUBATÃO INVESTIGA ORGANIZAÇÃO SOCIAL IMSV
TERCEIRIZAÇÃO DA UPA: PREFEITO DE CUBATÃO É ALVO DE AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
MP INSTAURA INQUÉRITO PARA APURAR IRREGULARIDADES NA CARRETA DA SAÚDE EM CUBATÃO
TERCEIRIZAÇÃO NA SAÚDE: INQUÉRITO QUE INVESTIGA PREFEITO DE CUBATÃO EVOLUI PARA ESFERA CRIMINAL
2022
OSs NA SAÚDE: PF PEDIU PRISÃO DE EMPRESÁRIO E APREENSÃO DE CELULAR DO PREFEITO DE CUBATÃO
SERTANEJO PRESO DIZ TER PAGADO PROPINA A PREFEITOS PARA MANTER CONTRATOS COM OSs NA SAÚDE
TERCEIRIZAÇÃO DA SAÚDE: ADEMÁRIO ESTÁ ENROLADO COM MAIS UMA CONDENAÇÃO NO TRIBUNAL DE CONTAS
HISTÓRICO
- 7/09/2017 – a página O Guardião, do advogado Cícero João da Silva Jr, mostra que a nova OS IMSV foi contratada emergencialmente sem qualquer experiência na área da saúde. A OS tinha atuado até outubro de 2016, em serviços educacionais, quando ocorreu a renúncia coletiva da antiga diretoria, assumindo uma nova diretoria, que mudou o ramo de atividade para área da saúde. Na postagem a ata da entidade comprova a denúncia. Veja aqui
- 12/09/2017 – o professor Maykon Rodrigues dos Santos mostra em sua página no Facebook que o presidente da nova OS, Rafael de Carlo Rovere da Silva, era na verdade um vidraceiro, sem qualquer experiência na área da Saúde. Tudo levava a crer que a IMSV, criada apenas para abocanhar o contrato de R$ 6,9 milhões dos cofres cubatenses, colocara em sua diretoria um presidente laranja. O texto revelou ainda que mesmo diante desses fatos, o Governo contratou a empresa contrariando o Decreto Municipal 10.610/2017, que exige no mínimo 5 anos de experiência para que as entidades privadas sejam qualificadas como OSs e, assim, consideradas aptas a assumir contratos com o Município. A Secretaria de Saúde também teria passado por cima de legislação federal (Lei Federal 9637/98) que também disciplina os requisitos para contratação de OSs. Veja aqui.
- 13/09/2017 – caso e documentos são expostos na imprensa local pelo servidor da educação cubatense. Veja aqui e também aqui
- 19/9/2017 – o professor Maykon Rodrigues dos Santos formaliza denúncia no Tribunal de Contas dos Estado (TCE-SP) e no Ministério Público de São Paulo. Veja aqui.
- 03/09/2019 – um acórdão da Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) julgou irregulares o processo de dispensa de licitação e o decorrente contrato de gestão com a mesma OS. O acórdão manteve decisão anterior que determinou a devolução dos R$ 6,9 milhões aos cofres municipais e fixou multa ao chefe do Executivo. O relator Dimas Ramalho ressaltou na decisão que o argumento da Prefeitura para fazer a contratação emergencial não é válido.”Ocorre que a contratação emergencial tampouco se justifica, em razão da evidenciada lentidão ou inércia dos gestores municipais no caso concreto. Isso porque o contrato anteriormente vigente para operação da UPA, firmado com a OSS Revolução, tinha prazo final já previsto para 27 de julho de 2017″, explica o relator. Ramalho continua, enfatizando que a Administração só lançou o chamamento público no março daquele ano – cerca de três meses antes somente – para escolher organização social capaz de realizar os mesmos serviços. “Por causa de falhas do próprio órgão, esse chamamento acabou revogado em 31 de agosto. Aliás, a entrega das propostas no referido chamamento público foi marcada para 09 de agosto, após o prazo do término do contrato anterior, o que revela providências tardias por parte da Administração”, completa.vPara finalizar, identificou que o IMSV, apesar de deter título de Organização Social (OS) reconhecido pelo Município, sua qualificação não estava em conformidade com a Lei Municipal no 2764/2002, que em seu artigo 2º, inciso 4º, exige cinco anos de experiência na área. “O estatuto social da entidade somente passou a prever atividades em unidades hospitalares após passar por reformulação no fim de 2016”. O caso ainda está em trâmite na corte de contas. Veja aqui
- 09/09/2020 – protocolado pedido de cassação de Ademário Oliveira, pelo advogado Cícero João da Silva Jr, com base nas irregularidades levantadas no contrato emergencial (sem licitação) com a IMSV. No dia 22 do mesmo mês, os vereadores rejeitaram o pedido por 11 votos a 3. Os únicos parlamentares que votaram pela abertura do processo de impeachment foram Toninho Vieira (Progressistas), Rafael Tucla (Progressistas) e Lala (Patriota). No documento, o denunciante pediu a cassação do prefeito por entender que ele cometeu infração político-administrativa ao assinar o contrato sem licitação em seu primeiro ano de mandato. Veja aqui
- 12/02/2021 – instaurado procedimento investigatório criminal no Ministério Público do Estado contra o prefeito, para apuração da prática dos crimes previstos no artigo 1ª, inciso I, do Decreto-lei no 201/67, no artigo 89 da Lei no 8.666/90 e outros. Veja o link: Portaria_PIC_NF_38.0531.0000300_2020_2___Cubatao_Dispensa_ass_mact
- 04/05/2021 – instaurado inquérito civil no Ministério Público do Estado contra Ademário Oliveira. O inquérito, que teve início após representação do advogado Cícero João da Silva Jr, evoluiu para ação civil pública. Veja no print:
- 26/11/2021 – proposta pelo MP a ação civil por ato de improbidade administrativa contra o prefeito e também contra a então secretária de Saúde, Sandra Furquim e contra o IMSV. Para os promotores, a dispensa de licitação ocorreu de forma irregular, sem que estivesse configurada hipótese emergencial a justificar, uma vez que a Administração Pública aguardou o fim do contrato anterior para adotar as providências necessárias para nova contratação. Veja os links: acao civil imsv e acao civil ISMV completa
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Isso ocorre em todas as áreas da administração pública, em especial na Saúde. No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde terceirizados enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários, atrasos nos pagamentos, corte de direitos e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!