O oftalmologista João Sobreira de Moura Neto, representante da Associação dos Médicos de Santos, acredita que é papel do estado prover e gerir a saúde pública. Ele afirma que a terceirização fragiliza os vínculos dos profissionais com seus locais de trabalho e com a comunidade.
Já o Conselho Municipal de Saúde, do qual faz parte Moura Neto, não tem o mesmo entendimento. Com a maior parte de seus membros agindo apenas para referendar as decisões do Executivo santista, o órgão assistiu passivo o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) mexer as peças para garantir a entrada das Organizações Sociais (OSs) na administração municipal.
Poucos são os conselheiros que não concordam com essa política entreguista e irresponsável. Mas, quando nada fazem para tentar mudar a situação, acabam reforçando o poder daqueles que há anos atentam contra o SUS e contra a população. Por omissão, tornam-se coniventes com um Conselho relapso e cooptado. E mais: serão responsáveis indiretos pelo colapso de unidades e programas dilapidados por empresas, intituladas como entidades sem fins lucrativos.
Por telefone, João Sobreira de Moura Neto concedeu entrevista ao Ataque aos Cofres Públicos e mostrou ser, ao menos na teoria, um crítico do novo método de gestão. E na prática?
Qual seu entendimento sobre a chamada publicização, nome usado para terceirização, que a Prefeitura quer implantar?
João Sobreira – Embora existam algumas poucas Organizações Sociais que trabalham, eu não acho que essa é a melhor solução, porque você tira o vínculo do funcionário com a unidade e com o paciente. É importante o vínculo do profissional com a unidade que ele trabalha, com a prefeitura, com a comunidade. Isso fortalece o compromisso do profissional com seu trabalho. Isso vale para médicos, enfermeiros e demais funcionários. Na contratação direta acredito que há um empenho maior do profissional.
Isso reflete na qualidade do atendimento?
João Sobreira – Sim, pois dá uma segurança maior tanto para o profissional quanto para o paciente, que sabe que está sendo atendido por um funcionário público, um funcionário que é pago diretamente por ele, embora os empregados das OSs também sejam pagos pela população, indiretamente. Mas com o servidor público há uma relação direta, até na hora do paciente reclamar e exigir direitos.
Temos visto diversos tipos de problemas em unidades controladas por OSs em outros municípios. Cubatão, Peruíbe, Praia Grande, Bertioga e Guarujá são exemplos na região de que o modelo deu errado. Mas é algo que se repete em todo o Brasil. O senhor acompanha essas notícias?
João Sobreira – Sim, elas (as OSs) não pagam fornecedores, não pagam os salários. Os funcionários sofrem. Por que ter intermediários em áreas importantes como saúde, se o governo pode gerir? As OSs visam o lucro como qualquer intermediário, o que encarece os custos.
E as contratações? São mais precárias?
João Sobreira – Sim, a mão de obra ganha menos, não é o ideal.
Como membro do Conselho Municipal do Saúde, o sr. chegou a acompanhar o processo de publicização? Acompanhou o projeto das OSs sendo enviado ao Legislativo pelo prefeito de Santos e sendo aprovado a mando do Governo?
João Sobreira – Eu vi, mas não acompanhei diretamente. Vi que causou uma polêmica, foi e voltou.
No Conselho o sr. se lembra se houve algum questionamento sobre a necessidade de se discutir essa mudança com a população?
João Sobreira – Isso foi colocado sim. Chegou a ser levantado a importância de haver uma maior participação da população.
E o que aconteceu?
João Sobreira – Eu não lembro. O projeto foi acatado. Depois eu não fui a muitas reuniões e acabei não acompanhando. Mas isso foi discutido. Algumas pessoas foram à Câmara.
Houve manifestação do Sindserv (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos) na Câmara, mas não houve uma postura formal do Conselho se colocando contra o projeto das OSs ou mostrando os riscos.
João Sobreira – Não, não houve. Não estou lembrado de detalhes. Depois disso eu não fui mais e não sei.
No site do Ataque aos Cofres Públicos estamos agregando todas as denúncias, processos, investigações, operações, que envolvem improbidade, corrupção ou mau uso do dinheiro em gestões terceirizadas via terceiro setor. O sr. tem conhecimento sobre essa falta de idoneidade da maioria das OSs e Oscips?
João Sobreira – Diretamente eu não acompanho, mas tenho conhecimento pelos jornais. Soube que aqui em Cubatão eles não estavam pagando. Recebem o dinheiro e não repassam. Pessoalmente, eu não tenho como atestar isso. Tudo o que sei é através dos jornais. Sou contra as OSs. É um vínculo precário. O poder público abre mão de suas prerrogativas. Transfere para outros as suas obrigações.
Diante disto, qual a solução?
João Sobreira – O horizonte que eu enxergo é simples: contratação de profissionais pelo estado. O estado tem que investir. Saúde é base, é prerrogativa do estado e ele tem que assumir isso, fazer mais concursos, contratar mais médicos, enfermeiros e também, na área da educação, chamar mais professores. Enquanto os governos não assumirem de fato essa responsabilidade de priorizar o que tem que ser priorizado, nós ficaremos com serviços precários, sucateados e suscetíveis à terceirização. A única solução é realmente criar um quadro de servidores de saúde e fazer com que sejam cobrados. Porque também precisa ter quem cobre o desempenho. Tem que ter uma boa administração. Além disso, cabe uma pressão maior dos municípios por mais verbas. Falta investimento da União também. Tem que priorizar. Tem dinheiro, mas falta investimento. Há cidades com boas arrecadações como Santos, Cubatão, mas o que vemos é que ninguém quer investir em saúde.