Madonna e a educação pública no Rio
Madonna e a educação pública no Rio
Cantora arrecadou US$ 10 milhões para ensinar Cabala nas escolas da periferia do Rio. Principal doador foi Eike Batista, o menino de ouro de Lula
Na última semana a “rainha do pop”, Madonna, esteve no Brasil e causou alvoroço nas colunas sociais. Acompanhado do namorado, o modelo Jesus Luz, o casal fez a festa dos paparazzi, que estiveram no encalço das celebridades dia e noite. Fomos bombardeados com fotos e notícias sobre, por exemplo, a ida do modelo à academia ou o grande suspense sobre Madonna: ela iria ou não conhecer sua sogra brasileira?
Uma entre tantas outras notícias desse tipo, porém, chamou atenção e serve para ilustrar o atual descaso do país com a educação. Numa empreitada para arrecadar recursos para seus projetos sociais, a cantora participou de um jantar com empresários na noite de 12 de novembro. O banquete foi realizado na casa do bilionário Eike Batista, conhecido por ter sido marido de Luma de Oliveira nos anos 1990 e, mais recentemente, ter sido apontado como o homem de Lula para assumir o controle da Vale no lugar de Roger Agnelli.
Além do bilionário e de empresários, estavam lá o governador do Rio, Sérgio Cabral e o prefeito da capital carioca, Eduardo Paes. Segundo a colunista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo, o projeto de Madonna consiste em treinar professores para implantar uma nova disciplina nas escolas em comunidades em áreas de risco. Essa disciplina, segundo um dos presentes na reunião seria “um olhar moderno para aquela cadeira de moral e cívica da década de 60”. Uma matéria com os preceitos da Cabala, completou outro empresário, referindo-se à vertente mística do judaísmo.
No jantar, ainda segundo a colunista, Eike teria perguntado à cantora pop quanto ainda teria de arrecadar para o projeto. Madonna disse que já havia arrecadado US$ 3 milhões e que, ao todo, o projeto demandaria US$ 10 milhões. Eike Batista anunciou, então, que estava doando, na hora, US$ 7 milhões. A benevolência do empresário teria emocionado a cantora, ainda que represente pouco perto de seu patrimônio avaliado em US$ 445 milhões à época de seu divórcio com o cineasta Guy Ritchie em 2008.
O empresário de Lula
Batista é apontado como o empresário mais rico do país, o 61º do mundo segundo a revista Forbes, com um patrimônio avaliado em US$ 7,5 bilhões. Dono de meia dúzia de empresas, principalmente na área de mineração e siderurgia, Eike se beneficiou da onda de valorização das commodities nos últimos anos, assim como dos inúmeros benefícios do governo Lula ao setor.
Até 2008, antes da crise, seu patrimônio era calculado em US$ 16,5 bilhões. Só para se ter uma ideia, em 2005 ele não passava de US$ 1,6 bilhão. Foi um crescimento vertiginoso acompanhado do aumento da generosidade a políticos e a Lula especificamente. Só para a campanha petista à presidência em 2006, Batista doou R$ 1 milhão. Não é à toa que o governo o tenha escolhido para suceder Agnelli na presidência da Vale, objetivo temporariamente adiado, mas não descartado.
Like a prayer
O projeto de Madonna, além do caráter inusitado, torna-se ainda mais absurdo considerando que, em 2009, o total do orçamento do governo do Estado à Educação se resumiu o equivalente a US$ 3,1 bilhões. Ou seja, Madonna em poucas horas arrecadou o equivalente a 0,3% de todo o Orçamento do estado do Rio para a Educação em todo o ano. O valor arrecadado por Madonna chega a quase 9% dos R$ 189 milhões destinados pelo município à área.
Ao mesmo tempo, porém, em que Madonna, empresários e autoridades do Rio se preocupam em ensinar Cabala e moral cívica aos estudantes do estado, a educação se desmorona a cada dia, num processo crescente de precarização. No Rio a explosiva violência urbana coloca em risco a própria vida de estudantes, professores e funcionários.
Segundo o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe), 212 escolas da capital estão em áreas de riscos devido aos constantes confrontos entre policiais e traficantes. São milhares de trabalhadores e estudantes que diariamente correm risco de vida apenas por freqüentarem a escola.
Os empresários e os governantes do Rio irão, evidentemente, explorar o marketing desses “projetos sociais” e religiosos enquanto a educação pública se precariza e a violência impossibilita o ensino dos jovens no estado. Assim como a cantora pop, que pode reforçar sua imagem espiritualista que cultiva após os anos de material girl dos anos 80.
Já os estudantes do Rio, à mercê do ensino público e da violência, terão que contar com os ensinamentos da Cabala de Madonna. Ou algo assim, ”like a prayer” (como uma oração), como diz um de seus hits.